quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Processo(s) criativo(s) na charge





E assim caminha a humanidade democrática...



Ops! Vou logo dizendo viva a democracia!, para evitar interpretações apressadas.

Processo criativo 
É comum, em entrevistas com artistas (cartunistas também o são, e os chargistas, além disso são jornalistas),  perguntas sobre "processo criativo", como se houvesse uma fórmula. Claro que há o tal processo, mas os caminhos são esquivos, ilógicos, uma mistura de consciência e caixa preta - o eu (bem) interior. No mais, são pequenos truques ou esquemas que mais ou menos funcionam, mas não garantem nada. Ou melhor, não assegura um efeito humorístico.

No caso acima, juntamos algumas estratégias: sequenciação com reversão da expectativa através de acréscimo. Aristóteles já associara o humor à surpresa, diria atualizando, ao efeito surpreendente. Explico o método, analisando segundo elementos de uma teoria da enunciação formulada em minha tese de doutorado, fundamentada no pensamento filosófico de Bakhtin e de postulados da Análise do Discurso.


  1. Horizonte Social Imediato: eleições municipais;
  2. Cena englobante: campanha política;
  3. Cenografia: o leitor reconhece (cena validada) o desenho que simboliza a evolução humana justaposta a um cartazete de propaganda (política, devido à inscrição "vote");
  4. Tema: Resultado (satírico) do homem contemporâneo - tema subliminar, a poluição da cidade com propaganda eleitoral;
  5. Protagonistas: a espécia humana e um candidato representado em uma gravura;
  6. Intertextualidade: (evocação da) teoria da evolução;
  7. Interdiscursividade: retomada do discurso da evolução humana;
  8. Intradiscursividade: modo de operação circunscrito ao campo do humor que busca um efeito surpreendente;
  9. Intervenção surpreendente: o acréscimo de um "novo" e derradeiro elemento quebrando a sequência conhecida de corpos evolutivos humanos por um último "corpo" aplicado a um cartaz;
  10. Efeito de humor: obtido pela sátira da evolução humana, que culminaria num "candidato" a cargo eletivo.
Há mais dez fatores que complementam um processo enunciativo, mas desnecessários demonstrá-los aqui.

Mas há um porém: o que norteou a criação da charge foi um fator enunciativo aparentemente secundário: o formato da superfície discursiva: o editor de primeira página me ligou dizendo que, em lugar dos 7,3cm de altura costumeiros, a charge teria apenas 4,6cm de altura. Paulinho disse assim: "faz um outdoor" (risos).

Ou seja, fiquei pensando em imagens possíveis para tal "espichamento horizontal"... Pensei numa sequência óbvia, de dois sujeitos, ou de um mesmo personagem cuja ação se daria em três momentos, enfim, eu nem pensava no conteúdo em si, mas sim numa formulação plástica... Até que emergiu da memória discursiva a iconização - compartilhada por todos nós - da evolução humana desde aquele pliopithecus, nosso primeiro (sic) ancestral, aquele macaquinho pequenino. 

Uma vez posta na página a figura, bastava construir um desfecho cômico: o que poderia ser dito, suprimido, substituído ou acrescentado à tal cena que... Que... Ah, um cavalete! Um cavalete inscrito "vote" com a cara do "próximo homem" na escala evolutiva, ou seja, após o "modern homo sapiens" da figura, viria o "contemporaneous homo eleitoralis", obviamente um neologismo divertido. 

Resumo do ato criativo: contexto + formato + situação de enunciação.

Clériston (até o próximo post!)

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